6.6.11

O BANDO SE REPENSA

foto de Rejane Maia em WoyZÉck (1993) - Isabel Gouveia
texto escrito em 2005 faz muito sentido agora:

o bando de teatro tem sido uma construção permanente. não só de espetáculos e eventos. uma construção de pessoas. e a questão é: quando uma pessoa está inteiramente construída? quando se diz: está bem, paro por aqui? creio que não se diz. que não há uma baliza, um limiar. a construção de uma pessoa dura o tempo de uma vida. e posso ver isso claramente nesses atores. alguns desistem do bando mas não de sua própria construção. trilham outros caminhos, diversos até do que vinham traçando para caminhar, mas a construção não se interrompe. e a marca do bando é visível, as vezes no alicerce, na base, as vezes nas paredes, na cumeeira... as vezes é uma marca incômoda, que tentam cobrir com novas marcas, novas atitudes, novos credos. mas permanece.

é bonito vê-los crescer. poder acompanhá-los em seu crescimento. até onde agüentarão? as vezes é doloroso, mas é necessário. é bom ver as fitas de vídeo antigas e ver como eles faziam seus personagens. ver os atores que já não fazem mais aqueles personagens e o que resta deles em como outros atores os fazem agora. ver que marca profunda deixou o criador em sua criatura, que torna impossível dizer certas falas sem samplear sua inflexão, fazer uma ação sem reproduzir o gesto antigo, levado pelo ator que já se foi. tem também os que já não fazem mais personagem algum, a não ser o seu próprio, no dia a dia. onde andará fulano? e o que fulano deixou em nossa própria construção? às vezes, encontrar fulano em outra esfera, em outra gira, em outra roda. e reconhecer fulano. e reconhecer o bando em fulano que já não é mais bando e nem ator mais quer ser. mas é pessoa.

o repertório é o patrimônio de um grupo. é através dele que se reconhece sua identidade. e poder mantê-lo vivo é um privilégio e um bem. neste jogo de construtor e construção, repertório e grupo se confundem. um faz o outro e vice-versa. e, mais uma vez, um prazer enorme ver o ator fazer cada dia um novo personagem e voltar ao anterior no dia seguinte. ver como o ator é moldado pelo personagem, como esse faz de seu criador uma pessoa melhor a cada dia em que atua bem.

o bando não tem regras, não tem um método que o aprisione. seus métodos e suas regras são recriadas diariamente. dia a dia refeitos porque dia a dia nos refazemos, reconstruímos. nos repensamos e revemos saídas para nos tornarmos pessoas melhores, cada vez que subimos no palco e somos artistas.

salvador, 07 de janeiro de 2005
marcio meirelles

Um comentário:

  1. Poderia ter sido escrito ontem. Esse trecho que fala dos atores e seus personagens e de seus personagens em outro atores é o que penso ser um bom conteúdo pra algum trecho da Quarta Peça.

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