foto: João Milet Meirelles |
O projeto RESPEITO AOS MAIS VELHOS, de manutenção do Bando de Teatro Olodum, patrocinado pela Petrobras, através de edital de 2007, previa, ao fim de dois anos de atividades diversas, a construção de um espetáculo baseado na pesquisa e nas vivências do grupo com comunidades, lideranças e artistas negros mais velhos, conhecedores dos efeitos do tempo e da necessidade da memória.
O tema, Respeito aos mais velhos, evidenciou a necessidade de respeito ao próprio tempo. O tempo nas dimensões cronológica e simbólica, e a percepção de sua passagem e de sua permanência, como fatores físico e mítico.
As heranças das culturas de nossos ancestrais negros estão preservadas especialmente nos ritos e liturgia das religiões de matriz africana. Mas também no cotidiano de outros coletivos culturais e artísticos, com quem o grupo se relacionou durante o cumprimento desta etapa.
A construção da peça que falasse sobre isso, passava também pela construção de uma metodologia de trabalho diferenciada que agregasse ao processo teatral, de alguma maneira, aquelas formas de repasse de conhecimento silencioso dos terreiros, das rodas de capoeira, e – por paradoxal que possa parecer – de outros saberes de transmissão oral. É que estas oralidades afrobrasileiras estão preservadas também em gestos, atitudes, maneiras que se reproduzem pela observação do que é dito e do que é silenciado. Do como e porquê as coisas são ditas ou silenciadas.
Por outro lado, o espetáculo deveria dialogar com uma platéia, não necessariamente formada nesses assuntos e nessas tradições ou sequer informada sobre eles. Uma platéia contemporânea acostumada com a velocidade: a negação do tempo. Platéia formada pela dinâmica de uma sociedade que encara a morte como um fim e a velhice como nada mais do que o caminho para isto – ao contrário da tradição africana que considera a idade como um acúmulo de experiências que nos prepara para a passagem de uma vida para outra – uma sociedade que considera a juventude como um valor em si, e que é preciso preserva-la a todo custo, num frenesi de consumo de fórmulas mágicas, cosméticas, cirúrgicas e comportamentais, para a consagração da eterna juventude. Era para essa platéia que também queríamos falar.
A escolha de uma linguagem dramatúrgica oriunda das redes sociais e da cultura internauta, e o uso de tecnologias audiovisuais pareceram adequados para se conseguir esse fim por que neles se identificou também uma convergência com as formas de expressão das comunidades matriciais que forneceram generosamente material para a construção da peça. O tempo, em sua permanência, está representado no espetáculo pelo passado em imagens e depoimentos gravados, presentes no momento em que atores e câmeras produzem e reproduzem imagens e discursos – narrativas engendradas pelo contato com esse passado – ao vivo, em comunhão com a platéia.
Isso deu certo. O espetáculo emociona os jovens, que se sentem levados para outro tempo. E os mais velhos e iniciados no candomblé, que sentem-se respeitados e representados na peça.
Essa opção estética, no entanto criou dificuldades para levar a peça às cidades onde o grupo passou e colheu material. A necessidade de um espaço específico de 20 metros por dez, com platéia dos dois lados diminuiu as opções de viagem: apenas o Rio, ofereceu um espaço assim. Por outro lado, os equipamentos de som, vídeo e computação necessários à reprodução das imagens e sons gravados, encareceram cada apresentação, tornando inviável – dentro do orçamento do projeto – mais três temporadas em diferentes locais.
A solução, entendida e aceita pela Petrobras, foi fazer mais uma temporada em Salvador e trazer as pessoas e instituições que ajudaram o Bando a montar a peça. O que foi um acerto porque, ao se mobilizarem para vir, um grupo interagia com outro. As prefeituras ou instituições que apoiaram a ida do projeto para suas cidades, voltaram a apoiar a vinda desse público para Salvador e muitos gestores públicos acompanharam as caravanas. O que mostrou ao poder municipal a importância da cultura negra e a necessidade de sua aproximação com ela, através dos mais velhos, das entidades matriciais, dos terreiros, dos mestres, dos afoxés, grupos de capoeira, blocos afro.
Os encontros entre os visitantes e seus semelhantes locais também foram de uma riqueza muito grande, gerando possibilidades de intercâmbio e troca de experiências e conhecimentos entre eles.
Por tudo isso, consideramos o projeto vencedor e acertada a escolha da Petrobras ao patrocinar uma ação continuada, um programa, não apenas um evento, como uma montagem ou uma turnê. O avanço na pesquisa da linguagem e na busca de diálogo com um público específico foi fundamental para o desenvolvimento do Bando de Teatro Olodum, o que o levou a contribuir mais uma vez, tarefa de toda ação cultural, com o desenvolvimento da sociedade, elaborando e implementando políticas afirmativas para a elevação da autoestima dos idosos e dos tradicionalmente excluídos ou perseguidos e para a redução da discriminação racial e da intolerância religiosa.
salvador, 30 de maio de 2011