1o dia da oficina |
Daí resolvi postar este artigo que escrevi para a extinta revista Cenário, do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Diversão da Bahia (por onde anda? qual a função?).
O ATOR E O PERSONAGEM
De onde vem os personagens? E o que são os personagens?
São seres viventes como nós, mas diferentes. De outra textura, de outra densidade. São seres compostos, fabricados. Clones de outras criaturas.
São vivos, disso não resta a menor dúvida. Existem.
Estão espalhados por aí. Feitos, como nós da mesma matéria que os sonhos. Feitos de desejos, pensamentos, reflexões, questionamentos, dúvidas, asserções, carne, suor, excremento. Feitos de um trabalho diário de buscas, investigação sistemática, construção de modos, gestos, sons.
Um personagem é como um instrumento que deve ser tocado pelo ator. Um instrumento construído com seus próprios ossos, carne, pele, sangue e energia.
Esse estranho engenho - o personagem - é arquitetado por um conjunto de artesãos, que juntam vasto material diariamente, para tal fim. Recolhem-no de leituras, de vivências, de memórias, de ouvir dizer, de ter visto hoje à tarde, de ter sentido, ou pressentido ou intuído.
Esse material recolhido pelo ator, junto com outros atores, autor, diretor, coreógrafo, cenógrafo, figurinista, iluminador, é armazenado no seu próprio corpo - que pensamento e emoção e sentidos também fazem parte do corpo - e colocado em camadas superpostas até que o instrumento personagem esteja pronto.
Uma vez pronto começa o trabalho de afinar e aprender a tocar. O ator tem que aprender a extrair dele todas as possibilidades que ele guarda em si, todas as maravilhas capazes de surpreender a platéia e encantá-la. Esse aprendizado é o mais doloroso, porque quase solitário. O ator segue sozinho atado inexoravelmente a seu instrumento, sendo um só com ele - ele e seu corpo - descobrindo as sonoridades que é capaz de produzir.
O diretor e os colegas podem alertá-lo de certos sons que são adivinhados. De certas possibilidades entrevistas por instantes. Mas ninguém pode ensiná-lo a tocar.
O público as vezes é a chave para isso. Quando o ator faz soar seu instrumento e este som ecoa, o eco é produzido na platéia, e assim, as vezes, ele começa verdadeiramente a se escutar. E só então seu personagem está completo. Quando o ator finalmente escuta, vindo da platéia, o eco - reflexo correto do som que emitiu.
A eficiência desse trabalho duro que o ator executa diariamente e sempre, depende mais de sua vivência do que de sua técnica, de uma ética que de uma estética. Depende da consciência que ele tem de seu papel. Depende basicamente de ele, ator, saber o que quer, de que lado está e de porque se propõe a juntar uma audiência toda noite para vê-lo.
Alguns atores o fazem por um exercício de vaidade e são grandes e nos dão, às vezes, enorme prazer. Mas prefiro, à esses, aqueles outros que o fazem por uma questão vital de estar entre os homens. De estar em frente ao outro diariamente afirmando sua condição singular de ser humano que questiona o porquê das coisas serem assim, e não como poderiam ser.
Salvador - 06/03/97
Marcio Meirelles
In Cenário, Ano 1 – nº 4, janeiro/1997
Nenhum comentário:
Postar um comentário